Por quê rezamos?

A vida é o que buscamos. Queremos viver. A felicidade é o termômetro que indica o quanto estamos vivendo e tendo uma qualidade de vida. Mas, que sentido damos à vida? Todos os dias do levantar ao deitar não fazemos outra coisa que não seja lutar para nos manter vivos, e isso implica tanto buscar a alimentação necessária à sobrevivência, quanto manter relações interpessoais com amigos, parentes, desconhecidos. Manter uma convivência social. Também viver é sonhar, ter utopias. Ter projeto de vida, sentido de vida. E talvez, o sentido da vida esteja justamente aí: nas utopias. Dedicamos muito do nosso tempo a “bobagens” enquanto o que importa de verdade para nossa própria edificação pessoal, social, espiritual e utópica fica sempre em último lugar ou em lugar nenhum. Gastamos muitas energias para viver e chega um dado momento que nos sentimos frustrados por tanto tempo e energias perdidas que quase desfalecemos por enveredar por novos caminhos e empreitadas. E isso sem contar os efeitos colaterais das consequências de um mal ou bom relacionamento e conflitos. E aí nos damos conta de rezar.

A oração como elemento primordial à nossa vida aparece naquele momento em que nos damos conta de que precisamos rezar, pelo simples fato de compreender que o mistério da vida e todos os seus condicionamentos são maiores do que nossas forças. Num momento de fragilidade, de desespero, de falta de esperanças, ou mesmo de euforia, de contentamento e vitória, rezamos. E essa oração sejam quais forem nossas crenças tem um efeito poderoso sobre nós mesmos, de modo que cria ritmo, costume e, quando nos damos conta, nos tornamos religiosos ou passamos a viver essa dimensão da vida que dão muitos nomes: devoção, piedade, espiritualidade, mística, religião, etc. Se já pertencemos a um grupo ou comunidade religiosa é bem provável que, pratiquemos sobre sua orientação, a tradição e ensinamento desse grupo ou comunidade, mas se não, apenas nos “classificamos” como uma pessoa de fé, temente a Deus, mas sem denominação alguma (isso é sintomático?!).

Entretanto, rezamos, e os motivos são dos mais diversos: uma doença; um emprego; um conflito conjugal; a perda de um ente ou amigo/a querido/a; para passar numa prova ou num concurso; para poder possuir esse ou aquele objeto que trará satisfação e uma possível qualidade de vida e um bem-estar; para conquistar um amor ou requerer um amor perdido; para realizar um sonho que completará ou melhorar a qualidade de vida, etc. Porém, todos os motivos elencados e os não ditos ficam sempre na superfície ou nas margens, nunca vai ao âmago mais profundo do próprio Eu.

Rezar não é só uma questão de relação custo e benefício (o que quero, o que preciso, a que tenho direito, o que devo dar em troca, o que preciso fazer), porque Deus (seja lá que nome lhe damos, ou dele fazemos uma ideia) não é um “mercador” e “realizador” de sonhos. Muito menos está obrigado (quem o obrigará? Por força de que ou de quem) a fazer todos os nossos “caprichos” de pessoas mimadas que sempre prefere o “mais fácil” em detrimento de algum “sacrifício” que precisamos fazer. Rezar não é um botão que a gente liga e desliga quando quer ou precisa. Tão pouco não é como uma vela que acesa se desgasta iluminando.

Porque rezamos? Essa é uma pergunta que requer uma resposta muito pessoal, intima, de cada um. Cada um tem lá seus motivos, porém, há na natureza, na essência da própria oração um motivo que lhe dá sentido de ser: Deus. A oração é uma elevação natural da pessoa a Deus. Rezamos não só por causa de nossas necessidades, mas sobretudo para manter relações de amor e comunhão com Deus – a Energia, a Essência da Vida, a Potência e Ato Primeiro e Eterno de tudo criado e existente. Rezamos porque em Deus “Existimos, Somos e Estamos” e por isso mesmo só n’Ele nos completamos a nós mesmos. Eis o sentido e o significado mais profundo da oração, do ato de rezar.

E nesse sentido, rezar está muito além da materialidade, transcende o “ser e o tempo” de modo que os efeitos da mesma sobre nós mesmos (ser finito, material, limitado no tempo e no espaço) é por demais gratificante, restaurador, energia vital benfazeja, estimuladora de vida, de sonhos e utopias. Rezar, pois, é uma necessidade da alma. Mesmo dos que não tem fé ou religião, ou mesmo são a-religiosos por algum motivo. Até mesmo o que se declara ateu, reza. Porque a reza não é só “orações” formuladas (textos prontos criados por alguém), ou mesmo um pensamento e um olhar deslumbrante. É algo mais… é um grito da alma, da nossa interioridade. É um canto, uma poesia, um contemplar algo ou alguém, um silêncio escutante, um respirar sossegadamente, um amar delirante, um envolve-se profundamente, um deixa-se tocar na alma, um banhar de lágrimas e um repouso suave e gentilmente. Rezar como exprimia o Mahatma Gandhi, é uma potência mais poderosa de que a própria bomba atômica, pois move céus e terra numa dança em que nos descobrimos pequenos e caímos por terra em nos dá conta da grandeza imensa da divindade que, segundo a tradição cristã, se fez pequeno, frágil e humano, no presépio de Belém – e se chamou Yeshuah – aquele que É Salvação. Ou seja, dependendo da tradução: Aquele que é Vida, Saúde.

Deus não precisa de nossas orações, somos nós que precisamos dela. Haja vista os tantos motivos que nos leva a rezar; porém, Deus é carente de nós. Em sua essência não necessita de nós, mas em sua natureza somos dele mesmo o seu melhor objeto de amor. Daí porque rezamos: Deus e Eu, Eu e Deus. Tudo é uma questão de relação. Relação que se dá por amor, no amor, com amor, para o amor. Deus não sabe não amar. Esse é seu defeito único. E nós não sabemos viver sem amor, essa é nossa fraqueza. Em certo sentido um completa o outro e vice-versa. Mesmo que o neguemos. Mesmo que passemos toda nossa vida sem Ele ou a Ele nos referir, Ele sempre estará junto a nós, ao nosso lado, conosco…. Porque sabe que em algum momento o encontro se dará tão certo quanto às ciências exatas, ou a incerteza das ciências humanas. O encontro é inevitável, e a oração antecipa por assim dizer, o encontro.

Rezamos porque amamos. A oração é um caminho para Deus que por sua vez nos faz com que encontremos com o nosso Eu mais profundo. Rezemos, pois, a oração se não faz mal bem há de sempre fazer.

Sobre Sebastião Catequista 90 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir das Comunidades Eclesiais, Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições Religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Aqui é o lugar onde extravaso as palavras e dou evasão aos pensamentos. Ter sua visita e apreciação de meus textos é uma alegria, um partilhar da vida nessa cativante jornada do dia a dia que é está vivo e caminhar rumo ao Mistério fascinante da Existência. Grato! Seja bem-vindo/a!