Traição

Esse é um tema delicado. Tudo o que se disser ainda é pouco e escorregadio, porque há vários pontos de vista, aliás como tudo na vida. Me arrisco a tecer algumas anotações.

            E começo perguntando: Porque traímos? O que se passa na cabeça de uma pessoa que trai? São perguntas que a queima-roupa nos deixa estonteados.

             Para início de conversa, uma coisa que ajude a pôr luzes nas respostas seja ver alguns elementos que ajude a traçar o “perfil psicológico” das pessoas que vivem essa experiência. Tomemos alguns exemplos.

No geral observo que essas personagens (homens e mulheres) são pessoas que de algum modo num dado momento não estão preocupadas com as outras pessoas que fazem parte de suas vidas. Quando por algum motivo decidiram trair, já tinham ultrapassado a linha que fazia com que a outra pessoa fosse o diferencial importante em sua vida; e que pelo andar da carruagem, tais pessoas de algum modo não significam mais nada para si mesma. Ou tem algum significado, mas que não é o suficiente para diante do ato de trair possa dar para trás.

E a traição nesses casos é apenas um “instrumento” bastante doloroso por onde se encaminhará o início do fim desse relacionamento, ou o recomeço de uma vida com sentido para ambos. Tudo pode acontecer. Nesse caso a probabilidade do amor/perdão/reconciliação acontecer é remota, mas quando se tem amor, milagres acontecem. Caso contrário, a separação vislumbrará novos horizontes…

            Há também aqueles/as que não precisam de motivos para trair, simplesmente o faz, porque assim é que é. E como justificativa apresentam o dado cultural que é próprio do homem “sair” com mulheres, e da mulher “ficar” em casa, porque “é você que amo”, “as outras são apenas aventuras”. Isso é muito comum no meio dos pobres. Entre os ricos a história é bem outra.

E quando é a mulher que levada “por outras” e outros “motivos” toma a iniciativa e diz para si mesma: “tenho mais é que curtir pois a vida é curta”. Sou livre. Também isso não tem justificativa.

            Bem diferente é, pelo menos, a personagem (homem ou mulher) que trai por não conter e não saber lhe dar com os desmandos de Eros, da paixão, da sexualidade. Esse tipo trai não porque tem “motivos sérios”, mas porque “não pode ver um rabo de saia” que logo se assanha. Não percebe que sua conduta machuca, ferre…. mas, que tem saída quando tem amor que gera perdão e conversão de verdade. E um bom tratamento psicológico.

            E há aqueles casos cuja incompatibilidade de ordem diversas já não dá mais para sustentar um relacionamento e que, na medida que o caso vai se agravando, numa dada hora, uma terceira pessoa entra na jogada, e pronto. Era o que faltava para a “traição” acontecer. Daí por diante é só raiva, culpa, violência, frustração, separação. Cada um vai para o seu lado. Caso “encerrado” na melhor das hipóteses; ou não. O fato é que casos assim, como toda e qualquer traição, todos e ambos os lados sai perdendo alguma coisa.

Trair nunca foi e nem será uma coisa boa. Para ninguém. Fica sempre uma seqüela em alguém. Porque, não se apaga anos de convivência, nem histórias vividas, sentimentos partilhados. Podem ficar na memória e com o passar dos anos não fazer mais efeito como quando no calor das emoções, mas com certeza, alguma coisa fica. E isso é dolorido, para quem de fato um dia amou, e foi traído/a.

Mas, tirando esses exemplos, porque alguém trai? Ninguém em sua perfeita consciência casa para se separar, ou para trair o amado, ou trai porque quer simplesmente pelo fato de querer trair. Ou porque um “objeto” alheio desejado “mexeu comigo” e ninguém vai saber… Se o faz, é porque tem motivações, consciente, premeditada, e não porque se deixa levar tão somente pela paixão incontrolável.  Ninguém trai por inocência.

Há “motivações” por traz de cada traição e que em função dessas motivações a pessoa com quem se tem uma vida, uma história, um amor, não é levada em conta nessa hora, porque simplesmente a motivação em termos psicológicos (o popular diria safadeza mesmo, maldade…) é o combustível que leva o efeito à cabo. E uma vez a traição acontecida o traidor perdeu o medo e se estabelece numa zona de conforto até ser pego. E se isso acontecer, bem, é uma outra página da história onde tudo pode acontecer.

E quais “motivações” podem configurar como resposta à traição? Umas de ordem contextual, outras de ordem psicológica, ou de ordem sexual, de temperamento, de história de vida frustrada, de falta de perspectivas, de sonhos, de rotina, de falta de projeto em comum… poderíamos passar um tempo enorme enumerando os motivos e mais motivos, e você poderia acrescentar muitos outros; mas, me parece que uma motivação é comum e perpassa todas as outras: a educação altruísta. Ou seja, o fato de não termos sidos educados para a vida a dois enquanto projeto de vida que se fundamenta no amor/oblação.

Dizendo de outro modo: não nos educamos à vida a dois, enquanto projeto de vida onde temos plena consciência de sermos um para outro e vice-versa, aquela referência segura, ajudadora, cuidadora, confiante, amorosa, afetiva para o resto da vida seja em que situação nos encontramos juntos. Não fomos educados e não nos educamos por nós mesmos para o amor. Para o exercício de amar plenamente. Porque se assim o fossemos nada, mas nada nesse mundo tolheria ou acabaria esse amor. Nem mesmo as intempéries das sociedades modernas.

Nas sociedades modernas, casamento, vida a dois soa como a uma prisão. Aguentar o parceiro/a em suas fraquezas e cobranças soa a uma possível “tô fora”, e não estou falando de responsabilidades comuns que muitas vezes fica nas costas só de um/a. Estou falando de temperamentos, de compaixão, de estar aberto ao “momento” do outro que infelizmente nem sempre está no mesmo nível e nem vibra na mesma frequência. O que a modernidade ensina é a liberdade e se dar bem na vida. Que o outro/a é parceiro/a enquanto pode “dar alguma coisa” um para o outro, caso em contrário… já viu.

Todo começo de história é bonito, com o tempo o peso aparece e se não houver uma parceria cuja motivação vá além disso e seja o amor oblativo mesmo, não durará muito tempo esse relacionamento. Há que se ter uma mística, um alimentar do amor cotidianamente. Há que se olhar e viver a liberdade a partir do amor, pois caso inverso tal liberdade é ilusão e funesta ao relacionamento (sobre isso sugiro neste blog a leitura do artigo: amor e liberdade).

E o que leva uma pessoa a trair? Se acima apresentei os motivos, algo a mais deve haver e não consigo vislumbra outra coisa que não seja o egoísmo exacerbado de uma pessoa que nunca soube o que é amar, pois nunca amou na vida. A graça do amor não lhe tocou. E não estou falando aqui de “sentir algo por”, ou de “química” “coisa de pele” que são coisas reais, porém ilusórias tanto quanto o próprio desejo. Uma pessoa pode se esforçar e viver com outra, sem nunca ter amado. É custoso, mas existe. E o que precisa para que ela possa amar de verdade? Não tenho resposta e nem receita para oferecer.

Por aí, existe casos, por exemplo, de gente que ama um “fantasma” uma “sombra” uma “ideia” como se fosse real. Ela nunca amou de verdade, dentro de um relacionamento. Pode em sua “fantasia” criar um amor que não existe e a partir daí alimentar sua vida, sua história sem se dar conta do amor verdadeiro da pessoa que a ama, pois em dado momento, pode até imaginar que quem a ama de verdade seja apenas um “atrapalhar” de vida, criando fugas.

Dizendo de outro modo: uma pessoa pode viver anos sem “amar” a outra de modo real, verdadeiro, mas “ama” uma “imagem construída” da outra dentro de si mesma conforme seus próprios caprichos.  E pode muito bem por um longo período projetar essa imagem na pessoa real com quem vive, amando-a e lhe suportando na vida porque em alguma coisa e por algum motivo lhe é cômodo.

O fato é que, o grande empecilho para o amor é o egoísmo que pode ter muitos outros nomes…liberdade, ser livre, felicidade, trabalho, subterfugio para se afirmar e afirmar os desmandos da traição ou do amor forjado, quando na verdade, a experiência do amor verdadeiro é bem outra.

Nesse caso, a traição só evidencia uma coisa: a busca por possuir o que não se tem e não poderá ter enquanto não se deixar amar e se amar de verdade. E aqui a traição não constitui somente um “encontro” às escondidas, ou mesmo um encontro com alguém, mas é mais profunda: é uma traição a si mesmo/a. Porque de fato nunca amou e logo não sabe o bem que o amor faz ou poderá fazer.

E não estou falando de amor-amizade, de amor-trabalho, de amor-amante, amor-filho/a, estou falando de amor aquele elemento que constitui o sentido da vida que preenche vazios e que cura feridas, que sabe reconhecer os que a amam de verdade e tudo faria por ver-lhe feliz no sentido mais genuíno do amor verdadeiro.

O que se passa na cabeça de uma pessoa assim? Quem sabe?!!! Mas arrisco pensar que, o que se passa na cabeça de uma pessoa assim, é que está “livre” após cometer o seu ato de traição e que, com isso rompeu as “normas” padrão da sociedade de maneira que, como livre, acha-se no seu direito de tomar as rédeas de seu destino mesmo em detrimento daquelas que a ama. E livre pode aventura-se nos caminhos da vida como o “filho pródigo” em busca de novos amores. E isso só prova o que disse acima: não teve a graça de sentir o verdadeiro amor. Viverá tateando como cego no escuro apanhando da vida, sem nada aprender até que a ficha caia e se deixe tocar pelo amor.

Creio que ninguém quer trair ninguém, e nenhuma traição é boa, nem por pensamento. Toda ela sempre traz coisas ruins que marcam a vida de alguém. Sempre há alguém que sai machucado, magoado, ferido e que leva tempo até tomar rumo. Porém, acredito que, o amor supera esse momento e a vida abre novas chances. Pena que nem sempre entendemos a chance do jeito certo, e isso faz da vida e do amor vulneráveis à própria sorte.

            Para concluir. Muito amor ferido encontra num novo amor (ou numa nova postura com o/a parceiro/a) uma nova história que cura as feridas passadas, porém jamais esquecidas. E assim a história recomeça com novo olhar, novo sentir… “novo” amor.

Sobre Sebastião Catequista 90 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir das Comunidades Eclesiais, Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições Religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Aqui é o lugar onde extravaso as palavras e dou evasão aos pensamentos. Ter sua visita e apreciação de meus textos é uma alegria, um partilhar da vida nessa cativante jornada do dia a dia que é está vivo e caminhar rumo ao Mistério fascinante da Existência. Grato! Seja bem-vindo/a!

3 Comentários

  1. Concordo em muitos aspectos, exceto com a ideia de que a traição se cura com outro amor. A dor da traição se cura com perdão, pois mesmo que a pessoa feriada se torne objeto de amor de outra, se ainda guardar mágoa de sua história passada a nova pessoa pode até não ser valorizada ou enchergada como uma nova oportunidade de se permitir amar e ser amada.
    Porque as pessoas traem pode ter inúmeras “explicações” mas nenhuma que justifique tal ato.
    Parabéns pelo texto.

    • Claro, Rose, que se cura com amor. O perdão é próprio de quem ama. “Novo amor” aqui não significa necessariamente uma outra pessoa, uma separação e um novo relacionamento, mas também não se exclui essa possibilidade. Quantas histórias onde o amor perdoou e passou a ter nova perspectiva, novo olhar, nova forma de ambos viverem sem ter havido uma separação. Por outro lado, há casos que isso não aconteceu, e nova vida com outra pessoa fluiu… Mas, o fato a que me reporto é que, tanto a “traição” é um mal em sí mesmo que é funesto à vida principalmente dos vitimados, como revela algo mais profundo: a educação para o amor. Não fomos “formados” para amar, e isso a gente aprende na “tora” como diz o nordestino. Aprendemos nos erros e acertos. Mas o importante é amar e amar sempre, sobretudo, para os cristãos, cujo Deus se autodefine AMOR.

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