O que aconteceu?

Por Sebastião Catequista

Estupefato, perplexo e tentando entender o que aconteceu nessas eleições de 2022, comecei a mapear os dados, ver os comentários, ouvir as pessoas, sair um pouco da “bolha” de nós mesmos para tentar entender o que se passou ou o que se passa com a nação brasileira que se diga de passagem, “é algo a ser estudada” como dizem por ai.

Pois bem, após muito analisar e pensar nessas vinte e quatro horas passadas após eleições, consigo intuir alguns elementos de reflexão. Não sei se você pensa ou viu o mesmo, mas a mim parece que, tais elementos são primordiais para entender “o que se passa em nossa nação”. Por que um segundo turno? Por que o atual presidente ainda consegue grande margem de votos? O que talvez decidiram as eleições do segundo turno seja para a direita ou a esquerda? Eis os elementos:

Um dado bem concreto apontado pelo IBGE atualmente é o aumento da pobreza e desemprego. Esse dado foi um fator importante nos discurso para a corrida presidencial. Mas não é fator decisivo para se ganhar a eleição. A esquerda pensou que, esse dado por si só tendo em vista o passado recente dos governos do PT, que em muito melhorou a vida da nação sobretudo dos pobres, ajudaria trazer votos para Lula, uma vez que, ninguém quer voltar ao que era antes: uma vida de miséria. Acontece que essa realidade mesmo gritante é invisível aos olhos “do meu vizinho”. Ele não percebe que a fome e o desemprego do outro é fruto de um sistema perverso em que nós estamos todos envolvidos. Essa chegou na porta do vizinho, mas não na minha! Por isso não me diz respeito. A doutrina capitalista e a teologia da prosperidade o induziu a isso. Para muita gente a pobreza e o desemprego, é fruto de um “não esforço” dessas pessoas que caíram na miséria. Trabalho no mercado há, o que não existe e as pessoas não querem é “ter e ser mãos especializadas”. Dizem muitos! Seja como for, a miséria do outro não “incomoda” muito ao sistema que é assistencialista e nem ao “meu vizinho” que está de barriga cheia, empregado e “luta” para ter melhor “qualidade de vida” a mais do que já tem. Nesse sentido o discurso da esquerda não penetrou muito nos ouvidos dos eleitores da nação.

Um segundo dado, decorrente e intrínseco com essa realidade é o fator econômico. A economia no Brasil não vai nada bem, mas durante o governo bolsonarista, por pior que esteja, o Brasil “não quebrou”. Ou seja, milhões de brasileiros “não sentiu no bolso” os efeitos negativos da economia que para tantos, tirou ou limitou “a comida no prato” e “os rendimentos” de seu trabalho. Mesmo depois que o “gás de cozinha”, a “gasolina” e vários produtos da “cesta básica” terem aumentado. Há um adágio popular que diz: “brasileiro só se mexe quando mexem com seu bolso” não sei até que ponto isso é verdade, mas tem lá seu sentido. Se o Brasil tivesse em “maus lençóis” a bem pior do que está hoje, certamente esse seria o principal fator que levaria Lula a presidência. Mas não é tanto o caso. Os números das dez pessoas e empresas mais ricas de nosso país aumentaram impressionadamente em seus lucros a pesar da tragédia da Covid-19 e do governo bolsonarista. Basta uma rápida pesquisa pelo Google e ficamos estarrecidos com os comentários dos analistas. Seja como for, por esse víeis a maioria dos brasileiros não se convenceram e não o tiveram como motivo principal para se mudar os quadros e atores principais nessas eleições, entretanto, é um fato de peso.

Um terceiro fator que nas eleições passadas chamou atenção no contexto de ódio e indignação da corrupção, que dividiu o brasileiro e contribuiu para Bolsonário ganhar as eleições, foi ascensão de uma vertente religiosa e cristã que há muito tempo vem na surdina se organizando: o movimento evangélico de extrema direita e fundamentalista. Mas não só ele, também pelo lado católico houve uma parcela de presença e cumplicidade. Esses atores tiveram uma presença maciça e foram a “maior parte do bolo” para se instaura o cenário subsequente. Com esses atores se pode nas eleições por agora, perceber um discurso e uma “nova direita” ainda que as personagens sejam as mesmas de um velho passado.

Segundo o IBGE o país mesmo tendo um grande número de católicos, os evangélicos cresceram bastante nesses últimos anos, mas independentemente de números, é sua “força política e religiosa” que conta junto ao povo nesse cenário. Os católicos custam sobretudo em suas instituições a aderirem a mudanças, a “entrar de cheio” na “onda” do limiar da história. Quando chegam, chegam tarde demais para realmente mudar ou para refrear e ser uma força extremamente conservadora. E isso lhe rende “os pecados” da história, sobretudo da história recente.

Seja como for, os evangélicos tiveram e têm na sociedade brasileira de agora dois fatores preponderantes que são como que, a “chave de ouro”, sua “carta na manga” para ganhar essas eleições: um líder e a defesa de certos valores que são muito fortes ainda na consciência e imaginário brasileiro. Não importa muito o teatro e as falácias que Bolsonário diga ou venha a dizer, o que importa é que, ele politicamente se tornou o líder “supremo” da bancada evangélica. É tudo que eles queriam. Os evangélicos sendo ainda de certo modo “minoria” viram nesse homem a oportunidade de “dar o troco” de “vir a ser voz ouvida” pelo povo, de poder “virar a mesa” politicamente, socialmente, culturalmente, e religiosamente. Foi seu “momento Moisés”, seu momento “Davi sobre Golias”. É claro que não perderiam a chance.

Espiritualmente (religiosamente) a “nova direita”, tem uma teologia conforme sua ideologia mais livre e solta que a teologia e direita católica. Antes a direita era católica, agora ela tem outra opção teológica e religiosa, e a depender dos pontos em comum, podem se unir e negociar. A “Direita” não é mais a mesma, enquanto que a “Esquerda” continua a “ver navios” não se reciclou… Basta ver os vídeos de padres e políticos da direita que circularam e circula a internet e o whatsapp. Temos uma nova direita e com ela novas pautas. Enquanto a esquerda está atrasada vivendo seus momentos anos 80…não conseguem se unir exceto para derrubar o bolsonarismo e o que ele representa, além de querer a redenção da nação para mostrar numa segunda chance o seu melhor.

Enquanto isso, o movimento bolsonarista ganha força nas ruas, nas famílias. Agora diferentemente de antes, é uma “adesão” silenciosa. Pois como explicar que Bolsonario tenha 43% dos votos válidos? Como explicar isso? Não sabemos, é um caso a ser estudado. Em tom juncoso “brasileiro é sempre um caso a ser estudado”. Entretanto, vários fatores concorrem para ajudar na explicação. Aqui estou levantando fatos…

Possa ser que Lula ganhe o segundo turno, mas a tarefa que fica é bem complexa, porque não se trata de uma eleição, de perder ou ganhar. A atual eleição mostrou e vem mostrando que o brasileiro, a família brasileira mudou. Há “no ar” um novo cenário não só político mas sobretudo e profundamente social, religioso, cultural e moral.

E quando se trata por exemplo do fator moral o discurso da esquerda foi sem estratégias, e sem maturidade. Foi “amador”. Achou que abrir as “pautas” e discutir sobre elas era o suficientes para convencer a nação que é profundamente tradicional. A direita soube se aproveitar desse momento e discurso. Ainda leva a melhor!

Nessas eleições não foi a religião que estava em foco, não foi a pobreza e o desemprego que mais falou aos brasileiros, e sim, os valores. Bolsonario é uma marionete, um ator. Sua vida pessoal seja lá como for, não é um “exemplo” de “moral” a ser seguido, mas ele deu aos evangélicos e à família brasileira um discurso e uma referencia. Mesmo que essa seja pelo “olhar” evangélico e católico mais fundamentalista e tradicional. Mesmo com uma vida de vários casos de convivência conjugal se passa como “um convertido”, isto é, ele “tem mulher, filhos, família” e isso é o que importa. Não importa (importa menos) se houve outras “mulheres” outro relacionamentos, o que importa é ter “família” e dentro dos “padrões tradicional” excluindo assim os novos possíveis modelos de famílias. Ele é um “convertido” nesse sentido.

As famílias de hoje não é a mesma de trinta, quarenta, cinquenta anos atrás. Obvio! Seu conceito e discurso mudaram. Mas em alguma coisa há de “tradicional” à ideia de família herdada da cultura e narrativa cristã. O que importa é a “família” mesmo que as pessoas ai envolvidas estejam já no seu segundo ou terceiro relacionamento. E isso contrapõe por exemplo, os novos modelos de famílias subjacentes hoje na sociedade, como é o caso das “pautas”, “conceitos” e os valores defendidos pelas comunidade e grupos LGBTQI+. É uma luta! Família ainda é um valor preponderante para os brasileiros e os fundamentalistas sabem disso. Por esse víeis o discurso da esquerda não consegue muitos votos, apesar de ser coerente com sua fala e comprometida com as minorias excluídas.

Junto com esse fator, vem os valores como da “Pátria” que no discurso desses grupos fundamentalistas tomou novo significado e sentido. E que bem diante dos olhos de todos, inclusive das esquerdas, “açambarcaram” os símbolos nacionais como “golpe de mestre” mexendo com o imaginário e o sentimento brasileiro. Sobretudo com o sentimento e imaginário protestante que tem como pano de fundo e exemplo a história bíblica de Israel, etc. De uma hora para outra, os símbolos nacionais não era de todos os brasileiros mas dos brasileiros que pensavam como a nova direita. No imaginário protestante algo parecido com “o novo Israel” versus o “novo Brasil” E o fato é tanto que, nem os eleitores brasileiros da esquerda se aventurou sair com a bandeira vermelha ao lado da verde e amarela. Se houve, pelo menos em minha região, foi poucos os corajosos. O que revela esse fato? A mim diz muito!

Há outros fatores sem sombras de dúvidas, mas a mim, por hora, em pleno calor das eleições, só consigo pensar que esses elementos por si explicam parte da “derrota” da esquerda ante as ameaças da direita. É claro que não são os únicos, se pensarmos nas relações entre os candidatos da esquerda que está muito polarizada; se pensarmos por exemplo, que partidos como o PDT perdeu de muito para suas bases e, o PF e PTB, PP tiveram significativamente um aumento. O que está acontecendo com o “juízo” do nosso povo? O que esses partidos e seus representantes têm a dizer e chagam no coração do povo que nós não chegamos? Só consigo pensar em duas probabilidades: aliados ao governo eles tem a máquina na mão e segundo analistas, dificilmente quem tem a máquina do governo na mão perde uma eleição. Trocado em miúdos: tem dinheiro e poder. Segundamente, eles têm o “discurso” que o povo quer ouvir contextualizado por uma caricatura do cristianismo.

Hoje, como no passado, o cristianismo de cunho evangélico será o ator principal a inferir na sociedade brasileira como um dia foram os católicos e, de certo modo, estão prestes a cometer os mesmos e talvez os piores erros que um dia estes outros cometeram. Mas quem vai mostrar isso é a História do futuro que começa no presente. Como no cristianismo temos vários cristianismos possa ser que a História seja um tanto diferente.

Estamos esperançosos que o Lula ganhe, estamos esperançosos que o brasileiro ganhe, mas com certeza, seja quem for a ganhar, cabe a nós pôr a mão na cabeça, limpar as lentes dos óculos e perceber que, com Lula ou sem Lula, estamos numa sociedade complexa, num Brasil até então desconhecido. Pois, nem as Pesquisas conseguiram prever a força que ainda tem o bolsonarismo e nem necessariamente o que “pensa” o brasileiro. Mas numa coisa penso que há clareza: a esquerda brasileira precisa se reciclar. Tudo é tão volátio!

E você, o que me diz? Quais pontos lhe chamou atenção e quais pontos você acrescentaria a essa reflexão?

Sobre Sebastião Catequista 96 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Sou Catequista. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir dos Grupos e Comunidades Eclesiais (ceb's), Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Catequista e Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Praticante da espiritualidade dos Padres do Deserto e da Oração de Jesus, aqui compartilho textos diversos, reflexões, estudos em torno da fé, da espiritualidade, da catequese, da liturgia, da teologia de modo geral, do ecumênismo e do diálogo religioso cristãdas. Agradeço sua visita e apreciação de meus textos. Seja bem-vido(a)! Que a Paz esteja contigo e que nosso blog te possa ser útil na jornada da Vida. Boa leitura!

2 Comentários

  1. Muita boa a reflexão e precisamos aprofundar ela nos nossos grupos. Vou salvar e enviar para alguns grupos e vê as reações porque acho muito importante tudo o que está dito.

  2. Todas as colocações são plausíveis e acrescento mais, todos os cortes existentes durante a era bolsonarista, na educação, saúde e Assistência, todo o desmonte das políticas públicas essenciais, tudo o que aconteceu durante toda a pandemia, não é visto e não leva o povo a uma reflexão descente, porque infelizmente em uma sociedade capitalista um ” cala boca miserável, tu estás recebendo 600.00″, fez com que muitos o apoiassem sem saber ou entender o que há por traz, apenas utilizando da máquina pública descaradamente para cunho eleitoreiro. Enfim, são tantas observações e discussões em pauta.

    Tenho a esperança de dias melhores, e espero não perder a esperança no povo brasileiro.

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