Olhar

Por Sebastião Catequista

Hoje eu acordei e como faça todas as manhãs antes de me encaminhar para as laudes gosto de olhar o céu e o mundo ao meu redor. Por força do hábito, isso acontece após uma hora de leitura geralmente relacionada as Sagradas Escrituras, a Teologia ou a Espiritualidade. Faço isso sempre. Mas o que escrevo aqui nessas linhas não é sobre mim e meus hábitos, mas sobre o olhar.

Olhar é um ato poderoso que pode ter muitas interpretações e significados a depender do contexto e pano de fundo em que estamos inseridos ou produzimos em nossa mente. Isto é, o que vejo e de onde vejo, pode não ser o que vejo. Pode ser talvez uma ideia, um insight, por exemplo. Enxergar é um exercício interessante! É também um sair de nós mesmos e ver o/a outro/a.

Ao contemplar de minha janela os morros à minha frente, escaneando sua vegetação e constatando os muitos ipês que ali florescera, coisa que ainda ontem não estavam lá, e vendo ao redor dos morros as centenas de casas comecei a pensar como acontece a vida e as relações humanas.

Meu olhar levou-me por uns instante a refletir sobre o cotidiano da vida humana. As tarefas que pesam sobre cada um: o fato de amar e ser amado – exercício muitas vezes complexo, doloroso, penoso, mas de imenso prazer e felicidade; a tarefa de conseguir os elementos necessários à existência todo santo dia; a árdua tarefa de encontrar o sentido a cada dia para essa mesma existência; e a tarefa de fazer a história pessoal acontecer, desabrochar, como os ipês que hoje floresceram.

Passamos a vida inteira “correndo” atrás dessas realizações. Investimos maior parte de nosso tempo e nossa vida na concretização dessas tarefas que muitas das vezes escapam de nosso próprio controle e nos deixam vulneráveis e atordoados muitas e muitas vezes nos causando angustias oceânicas. Mas persistimos porque a vida nos é feita de cíclicos momentos e em espiral.

Viver é uma luta sem tréguas. Precisamos incansavelmente buscar saciar o mais básico do mais básico de nossa existência: alimento, vestimento, amor, proteção e utopias. Sendo esta última a que dá sentido a existência e significado ao suceder dos dias.

Compreendi ser essa “roda giratória” um ciclo que se repete todo santo dia e uma delas faltando se abre um abissal abismo que nos desnorteia causando todo tipo de males. Dai emergiu a partir desse olhar em segundos, a pergunta que se escondia como pano de fundo: que sentido, pois, tem a vida? Do levantar ao deitar todo santo dia, toda semana, todo mês, todo ano?

As respostas não vieram! Elas nunca vem assim a queima roupas. São mais complexas. Exige de nós não só uma olhar, mas um sentir, um escutar, um prescrutar, um pensar e um se arriscar. Um agir! Isso mesmo! Ariscar a própria vida para ter vida!

Por mais uns instantes de olhar penetrante na paisagem que estava à minha frente, confesso, habitou todo meu ser aquela sensação de êxtases entre os ipês amarelados demostrando sua beleza que ontem não estava ali, que hoje está aqui e talvez amanhã não esteja mais; e um vazio por ver um amontoados de casas cujas ruas não tem asfalto, saneamento básico. Onde muitas dessas casas não têm sequer o reboco e a pintura. Casas onde habitam pessoas com suas histórias de vidas bem complicadas, em busca de achar o seu “plumo”. Em contraste com os ipês floridos que hoje estão ali e talvez amanhã não, me debrucei sobre a vida humana a pensar passando-se pela minha cabeça numerosas passagens bíblicas sobre a singeleza, a brevidade e a beleza da vida.

Entre o êxtases e o vazio fui me refugiar na oração das laudes, onde entre louvores e preces, me reportava ao Pai, sobre a vida dessas pessoas, sobre sua criação, sobre nossas impotências e ainda mais, sobre a Esperança. Entre salmos e cânticos um lampejo relampejou a minha mente inquieta e por um instante fui agraciado por uma Presença.

Percebi então, que na ilusão da vida não estávamos sós. De repente a paisagem tomou novo significado. Em meu olhar cintilava fé, batia no peito a esperança, e orei com toda intensidade que naquele momento se podia ter.

E, a paisagem como num novo contraste, enxergava de uma outra forma que não sei dizer. Renovado nas forças, encantado com o desvelar da natureza em seu ciclo e enxergando naquele amontoado de casas, vivas esperanças, percebi que tudo não passava de um sentir, um viver e um olhar…

Sobre Sebastião Catequista 90 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir das Comunidades Eclesiais, Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições Religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Aqui é o lugar onde extravaso as palavras e dou evasão aos pensamentos. Ter sua visita e apreciação de meus textos é uma alegria, um partilhar da vida nessa cativante jornada do dia a dia que é está vivo e caminhar rumo ao Mistério fascinante da Existência. Grato! Seja bem-vindo/a!

6 Comentários

  1. Seus textos nos levam a reflexões profundas, a uma conexão com o nosso interior e o divino, a uma percepção de olhar a vida de outra forma. Obrigada por compartilhar conosco.

  2. A vida é assim mesmo, cheia de contraste, vai depender como olhamos a vida, vai depender do nosso olhar, se a olhamos com um olhar crítico, um olhar amoroso, um olhar piedoso, etc.
    Mais na verdade independente de nosso olhar a vida está ali, bem perto, ao nosso redor, olhemos com muito cuidado, pois a vida de um modo geral também depende de cada um de nós…

  3. Muito bom mesmo a experiência de ver o mundo e uma benção de Deus e uma reflexão da palavra de Deus

  4. Meu amigo, bom dia!!
    Eis o início do meu sábado:
    Passear, por meio do seu olhar, na minha cidade natal,
    Caruaru, a princesa do agreste.

    Trazer para junto de mim, se fazendo ressuscitado, o meu pai, caruaruense de raiz.

    Voltar ao final de minha infância, quando já não mais aí morava, mas inicialmente, toda sexta-feira, no final da tarde, contemplávamos essa beleza de cidade e cantávamos em uma só voz, puxada por meu pai: “chegamos, chegamos”… e ele vislumbrava cheio de encanto esses lindos montes , às vezes verdejantes ou secos, nos ensinando a amar, a contemplar, a sentir, a dar as mãos ao belo, na presença desse cobertor celeste quase sempre com nuvens carregadas.

    Seu texto me remete ao livro do Tolentino que estou saboreando como a um bom vinho, em pequenos goles, A mística do instante. Ele, nos propõe contemplar o belo, vivenciar a mística partindo dos nossos cinco sentidos: Visão, Audição, Paladar, Cheiro, Tato.
    Você tão bem expôs essa mística necessária, para buscarmos o sentido maior e cada dia assumirmos o nosso papel no seguimento do nosso Mestre.

  5. Ahh meu amigo! Vc sabia que eu também tenho o costume de olhar pro céu e pra essa serra que vc tbm ver daí de sua residência. Faço isso ao acordar. Pena que as tarefas, a correria do dia como vc fala no texto, esse vai e vem constante , a preocupação em não deixar faltar as coisas . não deixa que as pessoas parem um segundo pra enxergar, quando eu olho pra essa paisagem, não tenho a vista panorâmica como vc tem dai, mais eu consigo ver essa montanha e nela eu vejo como é simples a vida, e do lado dos asfaltos como o homem deixa a vida complicada, não sei se deu pra entender, mais o que quero falar é que essa montanha essa paisagem me passa ESPERANÇA. um abraço …

  6. Grande amigo Sebastião quando comecei a ler o seu artigo me lembrei logo de Dom Elder, um olhar sobre a cidade. Vc nos transporta literalmente para enxergar tudo o que vc estar vendo, como é bonito esse jeito de escrever onde a gente sente compreende e entende perfeitamente a história da vida de muitos irmãos da periferia vistos da zona de conforto onde muito vezes morarmos vc escreve com facilidade essa história dos irmãos excluídos e muitas vezes esquecidos menos por Jesus, um grande abraço

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