Espiritualidade e Política

Por Sebastião Catequista.

Trago nesse texto algumas reflexões sobre espiritualidade e política no sentido de termos “ferramentas” para construir uma “leitura” de “fundo” à luz do contexto que vivemos recentemente na política brasileira, sobre o tema.

Quando se fala em espiritualidade essa geralmente está vinculada ao universo religioso e as diversas narrativas e expressões de fé, sobretudo da fé cristã do qual aqui me reporto de modo geral. Não sou especialista no assunto, como cristão tenho lá meus “hábitos espirituais” a partir de certa narrativa. E o assunto é muito vasto. Só os dicionários de teologia e mística tem mais de cem verbetes sobre a definição de espiritualidade. Para você ver como o assunto é complexo. Entretanto, parto das “percepções cotidianas” e do seu “conceito geral”.

Política também tem lá suas complexidades nos conceitos e dicionários. Contudo, parto do pressuposto que, política é o ato pelo qual de modo pessoal e coletivo rege as relações pessoais e coletiva. Sobretudo as relações de “poder”. Penso que essa é a definição mais comum! Todas as relações é um ato de poder de vontades, de forças e regimento das próprias relações. Exemplo: na relação de um casal, ou dos pais com os filhos, ou do empregado e patrão, haverá sempre nas relações esses aspectos que nos diz ser “política”. E nem vou falar aqui da vida de uma nação, é obvio!

A pergunta que se faz é: O que tem haver espiritualidade com política e vice-versa? A princípio além de soar estranho tal pergunta, a queima roupas podemos dizer: nada. Nada haver. Ou pode sim haver alguma coisa… E aqui vai minhas ponderações!

Espiritualidade faz parte constitucional da vida humana tanto quanto a política. O ser humano é, respira política e espiritualidade. Tudo junto e misturado. Simultaneamente “habitam o mesmo corpo”. Não há como separar!

Daí entender que toda espiritualidade é política e toda política é espiritualidade. Assim como o ser humano é corpo e alma, e não temos como separar. Pelo menos não no conceito genuinamente bíblico. Há uma “espiritualidade política” em cada um de nós.

Quando falamos “espiritualidade política” a entendemos como uma narrativa a partir da fé, um olhar, um postasse, um ato humano sobre os desdobramentos da vida nas relações pessoais e coletivas da condução da vida de um um indivíduo, de um povo, seja ele de um pequeno sítio lá nas brenhas qualquer, seja numa cidade ou de um país. Ou seja, dizer que temos uma “espiritualidade política” é dizer que temos uma compreensão e atitude nas relações condizentes com a fé que abraçamos.

Então, como “relações” a politica pode ser concebida a partir da narrativa da espiritualidade cujo sentido é iluminada pela fé. Ora, nesse sentido, tanto a política entendida como relações e a espiritualidade entendida como narrativa da fé habitam o mesmo corpo, e nesse caso não há separação, mas modos diferentes de lhe ver, entender e praticar. Explico.

De certo modo não existe uma “espiritualidade política” e nem uma “política espiritual” como se pudesse vivê-las separadamente em momentos distintos e “estanques” cada uma no seu “quadrado”. E por que? Porque a espiritualidade não é um “estanque” ou um “momento” ou tenha lá “seu quadrado”. A mesma coisa se pode dizer da política. Não fazemos e vivenciamos politica a cada quatro anos. Somos políticos o ano todo e em todo o tempo, o tempo todo em nossas relações e praticas. E nesse sentido se diga o mesmo da espiritualidade. Entende?

Tudo é espiritualidade e tudo é política ao mesmo tempo. Não tem como separar porque a própria vida não é dicotômica. Temos momentos de atos políticos e atos considerados espirituais ou espiritualidades mas isto não quer dizer que existe uma hora espiritualidade e na outra hora não exista, assim como não existe uma hora a política e na outra hora não exista. Não sei se me faço entender.

Quando falamos de uma espiritualidade política nas nossas conversas por aí, devemos entender, penso, que espiritualidade política é viver a vida e as relações pessoais e coletivas definida pelas regras chamada de “política”. Entretanto lembro que “espiritualidade” e “política” não são duas coisas justapostas, nem contrárias, e muito menos momentos “estanques” da vida. É tudo junto e misturado ao mesmo tempo, o tempo todo.

Para ficar mais claro a minha fala, trago esses dois exemplos.

O primeiro: a espiritualidade. Não existe espiritualidade assim: “quando rezo, oro, ou leio a bíblia, ou estou na igreja… sou santo, sou espiritual, estou vivendo a espiritualidade”. Isso não existe. A espiritualidade é o tempo todo, todo tempo, independentemente de onde estamos ou do que fazemos. Não existe esta dicotomia, como, “quando estou no futebol, no barzinho, ou mesmo fazendo sexo ou ainda, fazendo uma outra atividade qualquer”, sou profano, não espiritual. Não existe isso. Não existe “uma hora não estou espiritual ou sim, estou espiritual, vivendo a espiritualidade”. Ora, pensar e agir assim é uma falsa ideia da espiritualidade e da vida. Não existe isso. A pessoa é o que é em todo tempo e lugar. Não existe separação entre o “ser espiritual” ou o “viver a espiritualidade” e o “não viver”. Essa noção aí é distorcida e fruto de uma “catequese” e de uma “pregação” totalmente alienante. A pessoa é e vive a espiritualidade em todo tempo e lugar. Não tem como fugir disso.

O segundo: a política. Na política, não existe essa de: agora é tempo de eleição, é tempo de política e políticos. Agora é tempo de votar, de viver a política de tal mês a tal mês, de escolher candidatos. Não, isso não existe. A política é todo momento e o momento todo. Somos seres políticos, vivemos e respiramos política quando vamos ao mercado, quando compramos mantimentos, quando pomos gasolina no veículo, quando fechamos os olhos para os problemas de saneamento no bairro, quando não pagamos os impostos, quando não fiscalizamos o serviço público, quando fechamos nossos olhos para os problemas sociais da pobreza, da mendicância, da fome, do desemprego, das pessoas moradores/as de rua, dos migrantes, quando mesmo não falamos de política…tudo é política e ato político e quem está fazendo ou deixando de fazer não é a pessoa não politica e não espiritual, somos nós mesmos seres políticos e espirituais ao mesmo tempo. Entende?

Então: espiritualidade política é isso, tomarmos consciência de que somos seres políticos e espirituais ao mesmo tempo, e que, portanto, a tal espiritualidade política não existe como momento estanque de nossas vidas, como também só a política. Somos seres de relações (politica) e de sentido (espiritualidade) cuja narrativa a expressamos sobre o víeis da fé (religião) seja ela cristã, budista, espirita, candomblecista, dos povos originários, etc.

Nesse sentido podemos falar de uma espiritualidade política e uma política espiritual. Caso em contrário, não existe.

E no cenário que vivenciamos por ocasião do pleito eleitoral de 2022, estava bem presente essa noção “distorcida” da espiritualidade, da política e do ser humano, como narrativa ideológica. Agora me diga você, caro/a leitor/a, em que essa nossa reflexão “forma” tua opinião?

Sobre Sebastião Catequista 90 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir das Comunidades Eclesiais, Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições Religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Aqui é o lugar onde extravaso as palavras e dou evasão aos pensamentos. Ter sua visita e apreciação de meus textos é uma alegria, um partilhar da vida nessa cativante jornada do dia a dia que é está vivo e caminhar rumo ao Mistério fascinante da Existência. Grato! Seja bem-vindo/a!

5 Comentários

  1. “A espiritualidade é o tempo todo, todo tempo, independentemente de onde estamos ou do que fazemos.” Muito profunda esta reflexão!

  2. Não tinha parado pra pensar neste assunto, mais gostei, achei interessante, boa reflexão para fazermos na vida

  3. Excelente texto, Sebastião. Depois que comecei a participar de grupos, encontros e estudos sobre “Fé e Política”, comecei a ver que “espiritualidade” e “política” não tem como se separar; e agora, com esse seu texto, fico mais convicto disso.
    Muito obrigado, Sebastião!

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