Caruaru: Festa e tradição para turista ver!

No período junino, o Nordeste todo entra num ritmo de festa intensivamente e extensivamente. São trinta dias de festa. Em cada palmo desse chão tem alguma tradição; alguma coisa grande; alguma atração; inclusive cantores que estão em alta na mídia mesmo que não seja da tradição musical e cultura junina, exclusivamente nordestina. Por aqui, tudo se tem com grandeza e fartura: comidas; vestuário apropriado; comércio variado; quadrilhas matutas disso ou daquilo outro; shows pirotécnicos; concursos; caminhadas; grupos exóticos cumpridores de tradição, etc. Algo para ver e se maravilhar; encher os olhos, usar os cinco sentidos; encher e esvaziar os bolsos.

Festa junina no Nordeste é coisa grande, é coisa para turista ver, gastar e sentir prazer. É uma festa popular e política que toca a economia e o social, com a população mesmo. E não falta o ingrediente (sadio) da rivalidade entre as cidades!!! Coisa estupenda.

De toda a região Nordeste, uma cidade se sobressai em destaque: Caruaru em Pernambuco. É tida como a ‘Capital do Forró’ a que faz ‘O melhor e maior são João do Mundo’ disputando acirradamente com a cidade de Campina Grande, na Paraíba. De fato, Caruaru pela sua tradição, pelos costumes de sua boa gente, e para quem nasceu, cresceu e viveu na ‘Princesinha do Agreste’ sabe que em tempos passados as festas juninas eram comemoradas com bastante intensidade pelos moradores: nas ruas, becos e calçadas sempre havia enfeites, fogueiras, comidas e bebidas, danças com instrumentos artesanais apropriados, grupos tocando músicas, e, não faltava aquelas palhoças improvisadas para as famílias dançarem. O toque especial desses momentos nesses locais se caracterizava por uma boa conversa; as brincadeiras de compadre e comadres; as (hi)estórias folclóricas; os fogos; e uma boa noite de lua absorvendo a fumaceira das fogueiras. Tudo bem familiar, aconchegante, fraterno e rudimentar. E, ops!!! Não faltava os concursos de quadrilhas em algumas ruas bastante conhecidas e tradicionais: a rua do Vassoural; a rua 13 de maio; a rua Preta; a rua Barão; a rua Alfredo Pinto; e a grande fogueira no pátio do convento dos Capuchinhos que atraia multidões.  Essa era a Caruaru com o são João ‘de verdade’. Ali foram tempos vividos que não voltam mais. Essa Caruaru, sim, deu fama e tradição. Eram outros tempos!!!

Entretanto, o tempo passa, o passado vira lembranças, costumes e tradição. No presente a cidade cresce, se desenvolve, é acolhedora e tem grande potencial. A modernidade chegou cedo se olharmos a Caruaru de vinte, trinta anos atrás. Novos bairros, novos costumes, nova geração, novas influências, novos ritmos e estilos de músicas, nova forma de pensar e agir. E a festa junina entra e se adapta a esse ritmo.

Hoje, é verdade, Caruaru tem uma mega-infraestrutura impressionante. Os festejos juninos ao contrário de antes, é algo grandioso e envolve toda a cidade e todos os setores e bairros. É um produto para turista ver e comprar. Todos saem ganhando! Na Caruaru de hoje, os festejos juninos não comporta mais aqueles valores e tradição genuinamente caruaruense, estamos noutros tempos. Os títulos recebidos pelo que foi, hoje, ostentam novo significado e constitui um marketing de venda e atração para turista que acolhe aos milhares para participar de alguma forma dessa grandiosa festa popular.

Mesmo descentralizado alguns eventos e espalhados por bairros populares, o centro dos festejos constitui o centro da cidade, próximo de toda infraestrutura que possibilita conforto, comodidade, segurança e lazer, principalmente para os turistas.

Não que estejamos criticando, de forma nenhuma, e nem que sejamos saudosistas ou queiramos ressuscitar o passado; não é isso e nem é disso que estamos falando; estou falando, e isso sim, de como essa cidade se tornou altiva, diferente, orgulhosa de si, escrava de seus próprios caprichos e ambição. Hoje, Caruaru vive para trabalhar, não mais trabalha para viver; entrou no jogo do capitalismo selvagem e assumiu a lógica do desenvolvimento pelo desenvolvimento motivado pelo capital e pelas ideologias neoliberais; reza pelo catecismo das grandes indústrias e multinacionais, mas não consegue enxergar o mundo ao seu redor e nem prever um futuro próximo diante de seus olhos. Em tudo, Caruaru se orgulha do “grande”, do “fantástico”, do “moderno”. Onde está a fraternidade, a solidariedade, a bondade,   a humildade, o senso de conjunto, a responsabilidade pessoal e comunitária pelos destinos dessa bela e promissora cidade? Caruaru deveria ser grande, e promissora nesses valores também. E isso, não só nos tempos de calamidades naturais, acidentes ou momentos eleitorais. Caruaru tem uma grande vocação, precisa aprender a vivê-la.

É essa, minha reflexão sobre esta cidade. Amo minha cidade, penso que temos que progredir, avançar para águas mais profundas, mas, não a um preço alto ou fazendo de nossas tradições ‘coisa pra turista ver’, vivendo um presente e preparando um futuro que não leva em consideração as grandes transformações que põe em risco a vida do planeta e de nossa região.

O nosso festejo junino é bom, bom demais, não precisa ser para turista ver, mas para caruaruenses que somos celebrar a vida e a fé, de modo a salvaguardar para as gerações vindouras aquilo que há de melhor na cultura caruaruense e nordestina: sua gente, suas tradições, sua fé e seu gosto pela vida.

Sejam, bem vindos turistas, sejam bem vindos todos que partilham a vida, a tradição, os costumes, os festejos e se comprometem com “um outro mundo possível”, com um planeta melhor. Viva são João, santo Antônio, são Pedro e são Paulo! Viva! Viva a Caruaru! Viva!

Sobre Sebastião Catequista 90 Artigos
Olá! Sou Sebastião Catequista. Sou educador popular e narrador dos conteúdos bíblicos. Habito a Igreja Católica e me identifico como tal, meu lugar de fala é a partir das Comunidades Eclesiais, Pastorais e Movimentos Populares. Faço parte do CEBI (Centro de Estudos Bíblicos) da Região Nordeste, Estado de Pernambuco. Atuo como Agente de Pastoral em diversas atividades eclesial. Blogueiro, assessor, palestrante, criador de conteúdos, sou católico de fronteiras: isto é, sou Ecumênico, de profundo Diálogo inter-religioso com outras Tradições Religiosas cristãs e não cristãs. Adoro ler, curtir a natureza, passeios, fotos, músicas e bons filmes. Sinto-me encantado com a Vida e agradecido. Sou um contemplativo nato. Adoro o mundo da Teologia e da Ciência da Religião. Aqui é o lugar onde extravaso as palavras e dou evasão aos pensamentos. Ter sua visita e apreciação de meus textos é uma alegria, um partilhar da vida nessa cativante jornada do dia a dia que é está vivo e caminhar rumo ao Mistério fascinante da Existência. Grato! Seja bem-vindo/a!