Há poucos dias me deparei com uma matéria publicada no Jornal de Caruaru, cuja publicação é totalmente online em plataforma WordPress. A matéria mostrava a indignação dos internautas, pelo que, um empresário da cidade foi ofensivo e vulgar para com os pobres que visitavam e circulavam no shopping Difusora dada a ocasião do dia da Independência; como também, pela forma que falou de alguns bairros da cidade cuja população em sua grande maioria é pobre. Essa ação do tal empresário repercutiu de maneira tal que pessoas e grupos da sociedade organizada moveram ação judicial contra ele, levando-o a pedir desculpas publicamente.
Diante de tudo isso, me pus a pensar, refletir, e ampliar o meu olhar mediante a tantas outras situações pelas quais passam os pobres e que não nos indignamos de forma sistemática e com ações rápidas como foi à ação dos muitos que acorreram ao site ou a justiça para pedir medidas cabíveis.
Os pobres dia e noite são sujeitos da caridade, da bondade alheia e dos programas sociais que “melhoram a qualidade de vida dos pobres”, contudo, entretanto, não há uma preocupação da sociedade ou do governo para que os próprios pobres sejam protagonistas de sua própria história e que na sociedade sejam reconhecidos com o mesmo pé de igualdade e direitos de modo tal que deixem de ser “objetos” de produções televisivas e caridade alheia e passem a exercer e ser cidadãos de verdade de modo pleno. O pobre é um produto rentável, cômodo, catalisador de políticas públicas, objeto de caridade, e talves, por isso mesmo, seja sinônimo de atraso, de feiúra, de “coitadinho” perante o sistema. Bom é dar vida, qualidade de vida ao pobre, deixar pensar que é cidadão, cerca-lhe de direitos, fazê-lo participante do processo de políticas publicas, mostrar à sociedade organizada sua participação e presença social, contudo, porém, essa participação e essa qualidade de vida é uma ação passiva mais que libertadora/transformadora, ativa, porque o pobre pode ganhar dinheiro, ganhar casa, ser beneficiado com posto disso, escola daquilo, emprego daquilo outro, mas nuca será um cidadão pleno e consciente, porque será sempre um “pobre”. Além do mais, fazer um pobre, cidadão pleno, custa tempo, dinheiro, esforços, paciência e muita, muita mão de obra e política descente. Leva-se anos… além do mais, a quem interessaria tal empreitada?
Desde o século passado, quando em Medelín e Puebla, os líderes católicos da America Latina denunciaram em seus documentos o que acontece com os pobres, desde aqueles dias que se ver essa multidão crescendo e milhares de tantos outros foram se achegando à multidão. Mudou-se a linguagem, mudaram-se os costumes, novos paradigmas foram introduzidos na sociedade, o sistema foi ficando mais eficiente e excludente, a economia se tornou globalizada, novos conceitos, novos postos de trabalhos, nova forma de pensar, nova compreensão da vida, do mundo, do ser humano; e, no entanto, os pobres estavam lá, ficaram massa sobrante, tornara-se excluídos do sistema.
Nesse contexto é preciso fazer alguma coisa, e aí o sistema começa pensar uma “lógica” onde os pobres possam “ser” de algum modo cidadãos/atores, tirando-lhe o estigma de vitimas e excluídos. Porém, esses atores também são de certo modo produtos que de alguma forma beneficie o sistema (político, econômico, social, cultural) que os iludi como sendo beneficiados eles próprios, recebendo sobras cujo nomes veem estereotipados de “cidadania”, “qualidade de vida”, “incluídos”, “cidadãos”, … E todo mundo fica em “paz”.
Mas aí, aparecem situações como essa desse cidadão, empresário, pessoa de boa índole, bem conceituado, educado, preocupado com o bem-estar, cidadão exemplar; e mostra que tem alguma coisa que não está nada bem… E de repente salta-nos os olhos da sociedade que parece míope, que, pobre também é gente, tem voz e vez. E a indignação gerada faz enxergar uma nova realidade: como vive e pensa a sociedade; que como diz certo hino está “deitada em berço esplendido”. Então me vem à cabeça aquele refrão bíblico: “pobres, sempre tereis!” (Jo 12,8a). E para mim, essa sentença soa mais como um “divisor de águas” (simbolicamente falando) quando se trata de medir nossa ação. É preciso dar passos valorizar o pobre como sujeito ativo, cidadão e extirpar o estigma excludente de que pobre é sempre coitadinho, é sempre pobre. Ser pobre é ser digno e sua dignidade ainda nos mostrará a salvação do mundo, uma vez que durante milênios o próprio mundo/sistema procurou construir seu próprio umbigo, descartando o outro, vendo-o como um possível inimigo, em vez de um amigo. O pobre será sempre a consciência inconsciente do mundo, que um dia o fará ver o que produziu e o que realmente é. Talvez seja por isso, porque o pobre incomoda tanto.